quarta-feira, 2 de abril de 2008

Somos Todos Terminais

Hi Zi,

que maravilha a Martha Medeiros.
Nesse .doc, que não tem música nem cores, a mesma beleza dos PPS que preenchem a Internet de sabedoria.
Impossível ler sem ficar emocionado.
Estou a escrever algo sobre estas situações. O título é " Somos todos terminais".
Prestar atenção nisto e fazer o que Martha propõe. Em qualquer escala. Não precisa ser o "La Tour D`Argent"., nem o Kenia ou os Alpes . Os companheiros são os nossos mesmos, o de todos os dias.
Eles são os nossos amigos. Os melhores.

Beijo do Marcio.

Antes de Partir

Martha Medeiros

(Publicado na Revista do jornal O Globo – Rio de Janeiro – em 16-03-2008)



Um filme cujos protagonistas são Jack Nicholson e Morgan Freeman, com diálogos bem construídos e um humor inteligente, já entra em cartaz com vantagem, mesmo que o roteiro não seja um primor de originalidade.

“Antes de Partir” não é mesmo lá muito surpreendente, mas isso também pode ser algo a comemorar. Ficamos sempre correndo atrás de fórmulas novas, efeitos mirabolantes e impactos que nos desestabilizem, quando deveríamos nos dedicar mais a reforçar certas verdades. E a verdade do filme, se pudesse ser resumida numa frase, seria: aproveite o tempo que lhe resta. Nada que você já não tenha escutado um trilhão de vezes.

Nicholson e Freeman interpretam dois sessentões que descobrem estar com uma doença terminal. Os prognósticos apontam seis meses de vida para cada um, no máximo um ano. E agora? Esperar a extrema-unção, numa cama de hospital ou buscar a extrema excitação?

Sem pensar duas vezes, eles dão uma banana para o sofrimento e aventuram-se pelo mundo praticando esportes radicais, conhecendo lugares exóticos, desfrutando todos os prazeres de uma vida bem vivida – claro que um deles é milionário e banca tudo, detalhe que nos falta na hora de pensar em fazer o mesmo. Você não pensa em fazer o mesmo?

Você, eu e cerca de seis bilhões de homens e mulheres também estamos com a sentença decretada, só não sabemos o dia e a hora. Está certo que é morbidez pensar sobre isso quando se é muito moço, mas alcançando uma certa maturidade, já dá para parar de se iludir com a vida eterna, amém. Com dinheiro ou sem dinheiro, faça valer a sua passagem por aqui. Não sei se você percebeu, mas viver é nossa única opção real. Antes de nascermos, era o nada. Depois, virá mais uma infinidade de nada. Essa merrequinha de tempo entre os dois nadas é um presentaço. Não seja maluco de desperdiçar.

O.K., quantos de nós podem sair amanhã para um safári na África, para um tour pelas pirâmides do Egito, para um jantar num restaurante cinco estrelas na França? Ou teria coragem de saltar de pára-quedas e pisar fundo num carro de corrida numa pista em Indianópolis? Se não temos grana nem dublês, então que a gente se divirta com outro tipo de emoção, que o filme, aliás, também recomenda.

Reconheçamos o básico: uma vida sem amigos é uma vida vazia. O mundo é muito maior que a sala e cozinha do nosso apartamento. A arte proporciona um sem-número de viagens essenciais para o espírito. E amar é disparado a coisa mais importante que existe.

Que mais? Desmediocrize a sua vida. Procure seus “desaparecidos”, resgate seus afetos. Aprenda com quem algo a ensinar, e ensine algo àqueles que estão engessados em suas teses de certo e errado. Troque experiências, troque risadas, roque carícias. Não guarde tantos segredos e tantos rancores. Faça um inventário do que vale a pena preservar e do que vale a pena desvencilhar-se. E desvencilhe-se mesmo.

Não é preciso chegar num momento-limite para se dar conta de que reagir a uma doença (e essa “doença” pode ser uma mágoa, por exemplo) não é brigar contra ela, e sim viver. O enfrentamento das pequenas mortes que nos acontecem em vida é o empurrão necessário para nos colocar em movimento. Morremos um pouco todos os dias, e todos os dias devemos procurar um final bonito antes de partir.

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